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PROFESSOR MEDIADOR ESCOLAR E COMUNITÁRIO: FORMAÇÃO EM FOCO ROMPENDO PARADIGMAS

Alessandra Simão da Costa – Supervisor de Ensino – Gestor Regional SPEC

Gilmara Adriana Lima – PCNP Ciências/Biologia – Gestor Regional SPEC

Diretoria Regional de Ensino da Região de Itaquaquecetuba

A cidade de Itaquaquecetuba fica na Região Metropolitana de São Paulo e conta com uma população de 321.770 habitantes (IBGE 2010), que se distribui em sua grande maioria, de acordo com o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS 2010), nos Grupos 4 (vulnerabilidade média - setores urbanos: 101.898 pessoas/32,0% do total) e 5 (vulnerabilidade alta - setores urbanos: 136.448 pessoas/42,8% do total). A população é formada, entre outros, por muitos imigrantes nordestinos que vêm para cá a procura de melhores condições de vida, utilizando a cidade como dormitório, já que a grande maioria trabalha na cidade de São Paulo passando o dia todo fora e voltando somente à noite. Tal situação impede que os pais acompanhem a vida escolar dos seus filhos, além disso, as crianças acabam ficando sozinhas em suas residências, no máximo sendo assistidas pelos irmãos mais velhos. No município não há opções de cultura e lazer, a situação fica ainda mais crítica à medida que se avança pelos bairros periféricos, sendo bastante comum observar os jovens na ociosidade, sendo a escola o local mais atrativo, no entanto, raramente é vista como um espaço para a busca de conhecimento e aprendizagem, mas sim como um espaço de lazer, um local onde as crianças podem “passar o tempo”. Nestas circunstâncias é comum a ocorrência de conflitos, uma vez que os profissionais da educação se propõem a um objetivo – desenvolver o conhecimento –, mas os alunos estão ali por outro objetivo – entretenimento e lazer. Além disso, as crianças e jovens levam para dentro da escola os seus problemas familiares, que não são raros – agressões verbais, físicas, sexuais, falta de apoio e compreensão familiar, gravidez precoce, necessidades básicas não supridas (falta de moradia e alimento, por exemplo), entre outros – e muitos acabam externando suas insatisfações e privações de forma violenta resvalando nos colegas, professores e demais servidores. Em geral os pais não atendem aos chamados da escola, quando muito comparecem às reuniões bimestrais de pais e mestres apenas para saber sobre o rendimento do filho, pró-forma. Vale salientar que todos os gestores relatam sobre a questão do uso de substâncias ilícitas no interior e entorno da escola.

Neste cenário foi implantado, a partir de 2010 o Sistema de Proteção Escolar, por meio da Resolução SE 19/2010, possibilitando inserir nas escolas a figura do Professor Mediador Escolar e Comunitário – PMEC. A princípio as escolas consideradas prioritárias, ou seja, aquelas que apresentaram resultados insatisfatórios nas avaliações externas – SARESP – tinham prioridade em receber tal profissional, dessa forma, no primeiro ano do projeto, 15 escolas foram contempladas com o PMEC, em 2011 esse número passou para 38 escolas, em 2012 foi para 47 e esse número perdura até o presente momento, ou seja, atualmente, das 59 escolas jurisdicionadas à Diretoria de Ensino da Região de Itaquaquecetuba, 47 escolas participam do projeto. Há um grupo de 44 PMECs distribuídos por 35 escolas, das 47 contempladas, havendo ainda 16 vagas não preenchidas, distribuídas em 12 escolas, devido à dificuldade em encontrar professores que atendam às exigências da legislação vigente, ou seja, Professor Titular de Cargo com jornada reduzida há mais de um ano ou Professor Categoria F sem aulas ou com máximo de 13 aulas para compatibilizar as cargas possíveis.

Os PMECs foram selecionados de acordo com o que dispunha a resolução, seguindo-se a ordem de prioridade, com análise de proposta de trabalho, carta de motivação e entrevistas, contudo, em virtude das limitações impostas pela própria legislação, não houve possibilidade de fazer uma escolha baseada em perfil apropriado, já que o número de candidatos era menor que o número de vagas, levando os gestores a admitirem todos, pois achavam melhor ter um PMEC sem perfil desejado do que não ter nenhum PMEC. Assim é que o quadro de PMECs foi composto por professores que até pouco tempo estavam envolvidos nos conflitos da sala de aula, que relatavam não estar mais suportando ter que lidar com alunos, sem experiência ou conhecimento acerca dos processos de mediação de conflitos, sem perfil para desenvolver uma função tão complexa.

Jarez (2001, p. 59) questiona

Como é possível que, na formação inicial e continua dos professores, esta situação (a natureza conflituosa da escola) não seja objeto de análise nem eles sejam formados na perspectiva de um contexto de conflito, ignorando a formação de uma competência em relação ao mesmo, às suas manifestações e às formas de encará-lo?


Enquanto gestoras do programa, considerando a falta de formação específica para o desenvolvimento de competências para lidar com o conflito e a violência escolar, tão necessária para os profissionais da educação nos dias de hoje, o perfil do quadro de PMECs que tínhamos e a nossa própria inexperiência e falta de conhecimentos adequados sobre mediação de conflitos, sentimos a necessidade de buscar conhecimentos com o objetivo de fazer a formação adequada de nossos PMECs, de forma que pudessem desempenhar satisfatoriamente suas funções na escola e assim alcançarmos o objetivo desejado do programa, a minimização e/ou resolução de conflitos e violência escolar e o desenvolvimento de uma educação para paz. Assim, passamos a fazer sessões de estudos semanais nos baseando nos livros de Vinyamata (2005); Ruotti, Alves e Cubas (2007); Von (2003); Faleiros e Faleiros (2008); Abramovay et al (2003); Buoro (2010); Nunes (2011); Chrispino e Crhispino (2011); Ceccon et al (2009) e Jarez (2001), alguns destes livros foram recebidos no Kit PMEC e outros adquiridos para auxiliar na nossa formação. À medida que estudávamos sentíamos mais necessidade de conhecimento acerca dos assuntos que cerceiam as questões do conflito e da violência escolar, essa necessidade e também as dificuldades enfrentadas na gestão do projeto levou uma de nós a iniciar o Mestrado em Educação, cujo objeto de estudo é o PMEC e as questões do conflito e da violência escolar.

A partir dos estudos realizados estruturamos as orientações técnicas dividindo os encontros em momentos de formação, onde fazemos explanações e discutimos questões relacionadas à mediação escolar e outras situações afins; momentos de reflexão, onde são expostas situações de conflito e violência para que os PMECs discutam formas de resolução, baseando-se nos autores; momentos de troca de experiência, em que os PMECs expõem os projetos mais proeminentes desenvolvidos em suas escolas, sendo esta também uma forma de acompanharmos as ações desenvolvidas pelos mesmos, considerando a impossibilidade de fazer o acompanhamento de todos in loco; momentos de sugestão de leitura, estruturação de novos projetos e avaliação das ações. Fizemos também um “tour” pelas entidades de apoio existentes em Itaquaquecetuba e Poá, já que as escolas de ambas as cidades compõem a Diretoria de Ensino de Itaquaquecetuba e possuem PMECs, com o objetivo de apresentar aos PMECs as possibilidades de apoio que têm para a realização de seu trabalho nas escolas, bem como fazer as parcerias necessárias entre a Diretoria de Ensino e as entidades de apoio. Além disso, montamos um blog intitulado “Gestão Regional de Proteção Escolar” onde são divulgados os materiais das orientações técnicas, os projetos que estão sendo desenvolvidos nas escolas e informações gerais acerca do projeto.

Para facilitar a integração do programa de proteção escolar, nos responsabilizamos também pelos programas Prevenção Também se Ensina e Comunidade Presente, todos desenvolvidos em parceria com os PMECs e auxílio dos demais gestores das unidades escolares.

Ao final de 2011 foi realizado o primeiro “Encontro Proteção, Prevenção e Comunidade Presente” para apresentação de trabalhos, discussões e troca de experiências, envolvendo todos os PMECs, gestores escolares e alunos e, para o final de 2014, está previsto um novo encontro que está em fase de estruturação.

Para auxiliar no acompanhamento das ações desenvolvidas pelos PMECs em suas unidades escolares, os demais Supervisores de Ensino, durante as sessões de reunião de estudos, são constantemente informados sobre as atividades dos mesmos e então, fazem o acompanhamento das atividades em suas respectivas escolas. Além disso, ao final de cada ano, os PMECs devem entregar, como um dos elementos de avaliação para recondução, um portfólio em CD contendo as ações realizadas, onde devem apontar o nome do projeto, público alvo, período, parceiros, desenvolvimento, resultados e fotos, para tanto, foi disponibilizado pela Gestão Regional um modelo de portfólio. Além do portfólio, os PMECs devem também apontar os relatórios dos encontros e orientações técnicas dos quais participaram ao longo do ano. Os portfólios e relatórios são encaminhados, juntamente com ofício do Diretor ratificando as ações ali apontadas, diretamente ao respectivo Supervisor de Ensino que avalia o material e também busca informações junto aos seus diretores sobre a assiduidade do PMEC, juntamente com as informações disponibilizadas pela Gestão Regional acerca da presença e participação do PMEC nas orientações técnicas, bem como sua participação no curso inicial para PMEC (em caso de PMEC iniciante), cada Supervisor de Ensino junto com seu Diretor de Escola avalia e reconduz o PMEC para exercer suas funções no ano seguinte.

Ao longo de três anos de trabalho de formação e orientação foi possível perceber nos PMECs o desenvolvimento de um espírito de cooperação e envolvimento no projeto, bem como uma vontade de desempenhar satisfatoriamente as funções. Eles têm procurado por formação específica e têm aprimorado suas habilidades de Professores Mediadores de Conflito. Gradativamente os PMECs foram se articulando para elaboração e desenvolvimento de projetos objetivando a integração de alunos, professores e comunidade escolar. Contudo, ainda há muitos obstáculos a serem enfrentados para que possamos atingir os objetivos do projeto. Temos PMECs que, por mais que tentem, não conseguem desenvolver um perfil desejado para desempenhar satisfatoriamente suas funções; muitos docentes e demais servidores vêm o PMEC como um “inspetor de luxo” que deve resolver os conflitos com punições, desacreditando dos processos de mediação de conflito; constantes desvios de funções; a impossibilidade do afastamento do professor da sala de aula para se dedicar integralmente ao Sistema de Proteção Escolar; a falta de professores que atendam as imposições da lei, o que nos obriga, a pedido dos gestores, a agregar professores sem o menor perfil para o desempenho das funções.

De acordo com Vinyamata (2005, p. 24), “(...) a mediação faz parte dos recursos utilizados pela conflitologia, contudo, a prática da mediação sem conhecimento suficiente em conflitologia pode ser perigoso ou pelo menos inconveniente (...)”, partindo desta visão, estamos trabalhando com o objetivo de formar, informar e quebrar paradigmas de que só a prática basta para o desempenho satisfatório da função, com um objetivo primordial: uma verdadeira educação para a paz.


REFERENCIAS:

IBGE. Censo 2010. Cidades@: Itaquaquecetuba. Disponível em http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?lang=&codmun=352310&search=||infogr%E1ficos:-dados-gerais-do-munic%EDpio. Acesso em 20/05/2014.

JAREZ, X. R. Educação e Conflito – guia de educação para a convivência. Porto. Asa Editores. 2001.

SÃO PAULO. Índice Paulista de Vulnerabilidade Social: Itaquaquecetuba. SEADE 2010. Disponível em http://www.iprsipvs.seade.gov.br/view/index.php. Acesso em 20/05/2014.

VINYAMATA, E. Aprender a partir do conflito: conflitologia e educação. Porto Alegre: Artmed, 2005.


LIVROS CITADOS:

ABRAMOVAY, M. et al. Violências nas escolas: versão resumida. Brasília: UNESCO Brasil, Rede Pitágoras, Instituto Ayrton Senna, UNAIDS, Banco Mundial, USAID, Fundação Ford, CONSED, UNDIME, 2003;

BUORO, A. B. et al. Violência urbana: dilemas e desafios. São Paulo: Atual, 2010;

Cecon, C. ET AL. Conflitos na Escola: modos de transformar. Dicas para refletir e exemplos de como lidar. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.

CHRISPINO, A. e CRHISPINO, R. A mediação do conflito escolar. São Paulo: Biruta, 2011;

FALEIROS, V. P. e FALEIROS, E. S. Enfrentando a violência contra crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2008;

NUNES, A. O. Como restaurar a paz nas escolas: um guia para educadores. São Paulo: Contexto, 2011;

Ruotti, C; Alves, R; Cubas, V. O. Violência na Escola: um guia para pais e professores. São Paulo: Andhep: Impressa Oficial do Estado de São Paulo, 2007;

VON, C. Cultura de Paz. São Paulo: Peirópolis, 2003;


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