top of page

CONSTRUÇÕES DISCURSIVAS E O DESEMPENHO DAS ESCOLAS PAULISTAS NO SARESP/IDESP: QUANDO A QUALIDADE DO

Trabalho apresentado na ENDIPE/2014.


RESUMO: Com o objetivo de mensurar o processo de apropriação de capital escolar a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE-SP) deu início, em 1996, à política de controle e monitoramento da rede pública estadual de ensino por meio de avaliações externas, índices e metas, o denominado SARESP – Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar de São Paulo – complementado, em 2008, pelo IDESP – Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo – e pela política de Bonificação por Resultados. Com base em excertos retirados de matérias publicadas na imprensa paulista no período de 2008 a 2013 reconstruímos os discursos veiculados sobre o desempenho das escolas públicas estaduais no SARESP/IDESP, indicando como estas construções discursivas converteram-se em interpretação oficial sobre a qualidade da educação paulista. Demonstramos como a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo transformou o SARESP/IDESP de instrumento de acompanhamento da qualidade da educação em dispositivo de transferência de responsabilidade pelos baixos resultados de sua política educacional e, em seguida, retomamos os índices oficiais de desempenho da rede para indicar dissonâncias entre dados oficiais e construções discursivas da SEE-SP. A análise dos resultados do SARESP/IDESP dentro do período de 2008 a 2013 revelou que há, ao contrário do afirmado pelo discurso oficial, linhas de tendência linear que indicam queda constante nos índices da rede na avaliação externa, mas a estratégia discursiva na apresentação dos resultados tem consistido em desmembrar os índices por segmento, série e disciplina, focando apenas nos “bons” resultados obtidos naquele ano, desconsiderando a evolução histórica.


INTRODUÇÃO

A Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE-SP) deu início, em 1996, à política de controle e monitoramento da rede pública estadual de ensino por meio de provas, índices e metas, o denominado SARESP, complementado em 2008 pelo IDESP. Ambos tinham como objetivo mensurar o processo de apropriação de capital escolar ou, nas palavras da SEE-SP, “avaliar a qualidade do ensino” na rede pública estadual. Contudo, a aplicação de testes padronizados e a divulgação anual dos resultados, que tinham como função, na lógica da SEE-SP, fornecer dados objetivos para o controle social da qualidade do ensino público paulista e, com isso, comprovar o seu avanço, acabou por fornecer dados para o questionamento da política educacional que vem sendo aplicada há quase duas décadas em São Paulo.

Neste espaço pretendemos reconstruir e analisar algumas construções discursivas, identificando os lugares de onde falam seus construtores, que marcam a interpretação dos resultados do SARESP/IDESP no período de 2008 a 2013, confrontando-as com os dados fornecidos pela SEE-SP.


I – SARESP/IDESP e a qualidade do ensino paulista:

No Estado de São Paulo, desde 1996 a Secretaria de Estado da Educação vem aplicando o SARESP, considerado pela SEE-SP um eficiente instrumento de avaliação da qualidade do ensino na medida em que faz uma aferição do rendimento dos alunos. Os resultados são utilizados como subsídios à formulação de políticas educacionais e também oferecidos a cada escola em particular como oportunidade de conhecer os resultados de seus alunos para buscar a melhoraria da qualidade do ensino oferecido.

A partir de 2008, com o Programa Qualidade da Escola (PQE) que, dentre outras medidas, propôs metas de desempenho de longo prazo para a melhoria da rede de ensino e metas anuais específicas para cada escola. Assim nasceu o IDESP, índice gerado da combinação entre desempenho em provas e taxa de aprovação de alunos. Índice que a SEE-SP considera suficiente para mensuração da qualidade da educação e balizamento das mudanças necessárias.

Contudo, diferente do que apresenta a SEE-SP, “[...] a qualidade da educação não se circunscreve a médias, em um dado momento, a um aspecto, mas configura-se como processo complexo e dinâmico [...]” (DOURADO E OLIVEIRA, 2009, p.207), logo, tal medida limita a análise da qualidade na escola ao não considerar suas múltiplas dimensões.

Ao trabalhar com uma perspectiva de objetivo de longo prazo, que só ‘deverá’ se cumprir em 2030, o governo minimiza os retrocessos e maximiza os avanços a cada divulgação de resultados anuais, diluindo a sua responsabilização. De acordo com Assis e Amaral (2013, p. 30),

[...] A avaliação deixa de ser um processo construído coletivamente para se tornar um instrumento de medida da eficiência das instituições no atendimento às demandas do mercado, visando também a uma progressiva desresponsabilização do Estado, que acredita ter cumprido a sua função reguladora ao devolver os resultados às instituições, responsabilizando-as pela solução dos problemas supostamente apontados no seu desempenho [...].



II - O processo de construção social das representações sobre a política educacional e o desempenho da rede de ensino paulista:

A SEE-SP divulga anualmente o resultado do IDESP entre os meses de março e abril. Neste período, diferentes interlocutores, os ‘especialistas’, são convidados pelos grandes meios de comunicação para realizar uma interpretação autorizada dos resultados que, após processo de seleção e filtragem, transformam-se em interpretação oficial sobre a qualidade do ensino nas escolas públicas paulista.

No início do mês de maio de 2008 o Portal G1 (ligado às organizações Globo), em tom crítico, publicou matéria intitulada Na escala de 0 a 10, ensino médio em SP tira nota 1,4. Era o primeiro ano de divulgação do IDESP e a matéria desencadeou forte reação da SEE-SP e do Governo Paulista que, em 15 de maio do mesmo ano, na matéria Secretaria pretende monitorar diretores de escolas com Idesp baixo, também publicada no Portal G1, anunciaram que passariam a “[...] monitorar os diretores e supervisores de ensino das escolas que tiveram os menores Índices de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo, IDESP [...]”.

A reação não foi a de reavaliar o conjunto das políticas de educação (afinal o mesmo grupo governava o Estado há mais de uma década), nem questionar o SARESP/IDESP como indicador único de qualidade, ao contrário, elegeu-se o diretor de escola e o supervisor de ensino como responsáveis pelo baixo desempenho.

Consideremos, por um instante, que a SEE-SP estivesse correta em sua explicação para o fracasso das escolas, como explicaríamos casos em que o mesmo supervisor de ensino era responsável, simultaneamente, por escolas que atingiram e não atingiram as metas ou como entender as situações em que dentro de uma unidade escolar alguns segmentos tinham atingido as metas e outros não? Somente a SEE-SP poderia explicar tais questões.

O tom crítico e pessimista do ano anterior foi substituído, em 2009, por análises mais otimistas como a apresentada na matéria publicada no sítio do movimento Todos pela Educação (TPE), intitulada São Paulo divulga resultado do Saresp 2008, na qual aponta que “[...] Avaliação revela redução do número de alunos com conhecimento adequado à sua série em Língua Portuguesa no Ensino Fundamental. Em contrapartida, Matemática melhora em todas as séries, exceto na 6ª série [...]”. Não deve escapar ao leitor atento que a piora de desempenho em Língua Portuguesa é descrita de modo discreto, quase imperceptível, “Avaliação revela redução do número de alunos com conhecimento adequado à sua série”, mas, na divulgação do dado positivo não houve rodeios, a frase foi direta e sem margem para dúvidas ou dupla interpretação: “Matemática melhora em todas as séries”.

No processo de construção discursiva sobre a qualidade do ensino e o desempenho das escolas paulistas os diferentes interlocutores destacam, com otimismo, qualquer número que possa sugerir melhora, ainda que pontual, de desempenho, minimizando ou mesmo ignorando índices que não indiquem melhora do ensino da rede pública estadual.

Na interpretação dos resultados os jornais, para transmitir a ideia de polifonia, têm privilegiado as análises da SEE-SP combinadas com as do Todos pela Educação, da Fundação Lemann, Instituto Ayrton Senna, etc., contudo, as vozes que aparecem geralmente são de instituições que mantém vínculos, parcerias e projetos com a SEE-SP.

Assim, a combinação de dois fatores fundamentais – ausência de diferentes interlocutores e a filtragem realizada pelos órgãos de imprensa – tem colaborado na construção de uma representação única sobre o sistema de avaliação e a qualidade do ensino paulista, que cria a ideia de melhora da qualidade da educação ou, na pior das hipóteses, uma melhora na forma de gerir a rede de ensino.


III - Duas décadas da política educacional em São Paulo e seus resultados: um pouco do que não se diz sobre SARESP/IDESP:

A análise da SEE-SP e da imprensa paulista acerca da evolução do desempenho da rede de ensino, afirmando a progressiva melhora dos resultados, contraria os dados na série histórica no período de 2008 a 2013, conforme demonstrado no Gráfico I, diferentemente do diagnóstico apresentado pela diretora executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz, em matéria publicada pelo jornal O Estado de São Paulo em 09 de março de 2013, na qual afirma que [...] apesar dos resultados ruins, é necessário comemorar o sucesso do ensino médio. ‘É uma etapa que o País tem enfrentado dificuldade, por isso temos de celebrar e ir atrás da explicação para esse sucesso’[...].


Gráfico I: Gráfico, com linhas de tendência linear, eleborado pelos autores com dados do IDESP no período de 2008 a 2013. (Fonte: Boletins IDESP/2008 a 2013).


O “sucesso” ao qual a mesma se refere, IDESP de 1,91 para o Ensino Médio, foi melhor que os anos de 2011 e 2010, respectivamente com resultados IDESP de 1,78 e 1,81, mas é um resultado pior do que os dos anos de 2009 e 2008, com resultados de 1,98 e 1,95 respectivamente. Agregando-se os resultados de 2013, com IDESP de 1,83 para o Ensino Médio, tem-se uma clara tendência de queda ao longo do tempo (como visto no Gráfico I).

O que se constata da análise dos discursos oficiais é que estes se apegam a qualquer componente do índice que tenha evoluído em relação ao ano anterior, desconsiderando a série histórica dos dados que nos revelam um movimento bem diferente do apregoado em tais discursos.

Em matéria publicada em 08/03/2012, pelo Jornal O Estado de São Paulo, o então Secretário Adjunto da Educação e respeitado acadêmico, Professor da UNESP, João Cardoso Palma Filho, afirmava que "Houve uma queda de 2009 para 2010, mas em 2011 conseguimos reverter a tendência". Cabe salientar aqui que o IDESP do Ensino Fundamental (EF) realmente evoluiu de 2,52 em 2010 para 2,57 em 2011, mas o Ensino Médio (EM) retrocedeu no mesmo período de 1,81 para 1,78.

Portanto, diferente do que quer nos fazer crer a SEE-SP, a análise dos resultados do IDESP dentro do período de 2008 a 2013, revela que não há uma tendência de avanço nos índices para as séries finais do EF e do EM, pelo contrário, as linhas de tendência linear, em ambos os segmentos, revelam uma queda constante nos índices.

Uma análise dos discursos que emergem dos resultados do IDESP comparativamente aos dados históricos ressalta a discrepância entre as visões governamentais e a realidade em que se encontra a educação no Estado de São Paulo.


REFERÊNCIAS

ASSIS, L. M.; AMARAL, N. C. Avaliação da educação. Por um sistema nacional. Disponível em: <http://www.esforce.org.br/index.php/semestral/article/view/258/436>. Acesso em 22/02/2014.

DOURADO, L. F. OLIVEIRA, J. F. A qualidade da educação: Perspectivas e desafios. Cad. Cedes, Campinas vol. 29, n. 78, p. 201-215, maio/ago. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v29n78/v29n78a04.pdf>. Acesso em: 15/03/2014.

Leitura Recomendada
Procurar por Tags
Nenhum tag.
Siga "PELO MUNDO"
  • Facebook Basic Black
  • Twitter Basic Black
  • Google+ Basic Black
bottom of page