AS FRAGILIDADES DO SISTEMA DE PROTEÇÃO ESCOLAR DO ESTADO DE SÃO PAULO
- Alessandra Simão da Costa - UNINOVE/SP -
- 4 de mai. de 2016
- 19 min de leitura

Trabalho apresentado na ANPAE/2014
RESUMO: Em meio a muitos casos de conflito e violência que tomou conto do cotidiano escolar a Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP) lança, por meio da Resolução SE 19/10, o Sistema de Proteção Escolar, inserindo nas escolas públicas estaduais o Professor Mediador Escolar e Comunitário (PMEC) com função de resolver pacificamente os conflitos e desenvolver ações preventivas com foco na educação para a paz. Foram também formulados documentos impressos para auxiliar na implantação do sistema, bem como disponibilizado um sistema on-line de registro de ocorrências escolares. Com base em experiência profissional, enquanto gestora do projeto na Diretoria de Ensino de Itaquaquecetuba, observação do trabalho realizado pela equipe de PMECs, conteúdo programático do Curso de Mediação Escolar, revisão bibliográfica e de legislação pretendo aqui fazer uma ponderação entre teoria e prática e demonstrar as fragilidades do Sistema de Proteção Escolar.
Vivemos em uma sociedade dilacerada pela violência que vem fazendo parte de nossas vidas cotidianas. Desde uma palavra ofensiva até uma agressão física que causa não só um trauma físico, mas também psicológico, convivemos diariamente com uma diversidade de formas de violência. Passamos a viver na insegurança, o medo tem nos levado ao isolamento, pois confiamos cada vez menos no próximo e isso tem minado as relações humanas.
A violência se tornou algo comum e, para Tavares dos Santos (2009, p.25), “... a sociedade parece aceitar a violência, ou resignar-se, incorporando-a como prática social e política normal e coletiva...”.
A sociedade atual tem vivido uma violência generalizada onde as crianças e jovens são facilmente atraídos para o mundo do crime, encantados por uma vida fácil. São crianças e jovens normalmente de lares socialmente vulneráveis e convivem com as drogas, o alcoolismo, a violência física e moral, o abuso sexual e com a privação de direitos primários – relações afetivas, instrumentos de lazer, saúde, segurança. Tavares dos Santos (2009, p. 51) aponta que “... os jovens no Brasil atual representam uma geração vitimizada, sem esperanças em relação às promessas de futuro...”.
Pinheiro e Almeida (2009, p. 35) afirmam que “... as pesquisas sobre violência no Brasil mostram que, entre meados e fins dos anos 70, ocorreu uma mudança no padrão da criminalidade urbana, [...] nesse período firmaram-se as redes de tráfico com alto poder de atração sobre os jovens...”.
Porque a nossa sociedade vem se tornado tão violenta? Os processos de migração e a urbanização acelerada com um crescimento desordenado das cidades, a marginalização das classes mais desprovidas, a precarização do trabalho, a crise agrária, a desigualdade social, a exclusão social, a falta de perspectivas e o desemprego associados à ineficiência e/ou inexistência de políticas públicas de segurança são algumas das situações comuns e responsáveis por esse processo.
A escola, como espaço de reprodução dos valores da sociedade, não se viu livre da violência que tomou conta do seu cotidiano e vem vitimando todos os atores que ali se encontram. Além disso, a própria
[...] massificação da educação trouxe para dentro do universo escolar um conjunto diferente de alunos, sendo certo que a escola atual – da maneira como está organizada e da maneira como foram formados os professores – só está preparada para lidar com alunos de formato padrão e perfil ideal. [...] Isso acarretou uma desestabilização da ordem interna histórica, criando assim um campo propício aos conflitos [...] (CHRISPINO E CHRISPINO, 2011, p. 11).
Não é raro observarmos na mídia notícias de atos de vandalismo contra as instituições de ensino, agressões verbais e físicas entre os alunos, alunos e professores, entre professores e demais funcionários, bullying, preconceito e exclusão, tráfico de drogas, uso de bebidas alcoólicas, entre outros.
[...] O reconhecimento da violência no espaço escolar como uma das novas questões sociais mundiais parece ser um caminho interpretativo fecundo desse fenômeno social caracterizado com um enclausuramento do gesto e da palavra. Esta nova questão social mundial [...] vem evidenciando que estamos em face de uma conflitualidade que coloca em risco a função da escola na socialização das novas gerações [...] (Ohzako, 1997; Charlot, 1997, apud TAVARES DOS Santos, 2009, p. 45).
Contudo, a despeito de toda problemática envolvendo a violência escolar, a escola ainda se constitui como o principal espaço possível para o desenvolvimento de ações capazes de fazer alguma mudança significativa nesse cenário. “... Se quisermos, entretanto, construir a cidadania na escola devemos reconhecer, e superar, a violência institucional que passa por regulamentos, estruturas organizacionais, relações de poder institucionalizadas...” (Defrance, 1992, apud TAVARES DOS SANTOS, 2009, p. 47).
A instituição escolar, principalmente da rede pública estadual e situada em bairros de baixa renda, há muito deixou de ser um local exclusivo de desenvolvimento cognitivo. Hoje a escola exerce também um papel social importantíssimo: o desenvolvimento do cidadão para o trabalho e para a vida em sociedade. “... A própria família, em crise e em transformação, passou a delegar à escola funções educativas que historicamente eram de sua própria responsabilidade, o que acarretou uma mudança no perfil de comportamento do aluno...” (CHRISPINO E CHRISPINO, 2011, p. 11). No entanto, a instituição pública de ensino vem sendo alvo de constantes críticas dos meios de comunicação e da sociedade em geral, pois não tem obtido êxito no cumprimento do seu papel e isso se deve, entre outros, ao fato de ter a violência presente no seu âmago. “... Assim, de instituição encarregada de socializar as novas gerações, a escola passa a ser vista como o ambiente que concentra conflitos e práticas de violência...” (Ruotti; Alves e Cubas, 2007, p. 26).
Mas não se pode atribuir a onda de violência escolar somente a fatores externos, há que se considerar as condições precárias de funcionamento escolar e o clima escolar ao qual estão submetidas as crianças e jovens – salas superlotadas, poucos ambientes de socialização, reprodução dos modelos tradicionais de ensino, autoritarismo, desvalorização do protagonismo juvenil, falta de espaços para discussão e diálogo, imposição de regras e valores, aplicação de punições excludentes, professores e gestores despreparados, desvalorizados e cansados, falta de professores e funcionários, excessivas demandas burocráticas, defasagens idade/série, indiferença dos professores e gestores frente aos casos de violência, falta de mediação adequada dos conflitos gerando desde pequenas incivilidades até a violência exacerbada. “... A escola é autora, vítima e palco da violência...” (CHRISPINO E CHRISPINO, 2011, p. 14), contudo, de acordo com Caballero (2000) apud Chrispino e Chrispino (2011, p. 15), “... não é justo culpar a escola pelos problemas de violência escolar – da qual é também vítima –, mas podemos responsabilizar a instituição escolar pelas respostas que dá a estes problemas...”.
A nova realidade é que os ambientes escolares não são mais locais seguros a quem os pais confiavam a segurança e educação de seus filhos. Nesse panorama surge o Sistema de Proteção Escolar e Comunitária (SPEC) que passou a integrar oficialmente os projetos da pasta da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE/SP).
Com a implantação do projeto pode-se afirmar que a SEE/SP enfim admitiu que o conflito e a violência imperam nos espaços escolares e que eles afetam diretamente os processos de ensino e aprendizagem. Desse modo,
[...] Reconhecer a conflitualidade e a agressividade como elementos dinâmicos do espaço escolar significa propor intervenções sobre os atos de violência, as quais podem se dar pela satisfação da necessidade das crianças e jovens, criando um ambiente cooperativo e humanista, induzindo relacionamentos positivos e duradouros [...] (Tavares dos Santos, 2009, p. 49).
Com base em experiência profissional, enquanto gestora do projeto na Diretoria de Ensino da Região de Itaquaquecetuba, observação do trabalho realizado pela equipe de PMECs, conteúdo programático do Curso de Mediação Escolar oferecido pela SEE/SP para os PMECs iniciantes, revisão bibliográfica e de legislação pretendo aqui fazer uma ponderação entre teoria e prática e demonstrar as fragilidades do sistema de proteção escolar, que parece ter sido implementado pela SEE/SP como medida paliativa, se não uma resposta um tanto floreada à sociedade em relação às medidas tomadas para minimizar os problemas de conflito e violência escolar. Para tanto serão analisados os três eixos do sistema: Professor Mediador Escolar e Comunitário, o Registro de Ocorrências Escolares e os Manuais de Apoio.
O SISTEMA DE PROTEÇÃO ESCOLAR
Oficialmente instituído pela Resolução SE 19/2010 (SÃO PAULO, 2010a), o Sistema de Proteção Escolar passa a integrar os projetos da pasta com objetivo, expresso no artigo 1º da citada resolução, “ de proteger a integridade física e patrimonial de alunos, funcionários e servidores, assim como dos equipamentos e mobiliários que integram a rede estadual de ensino, além da divulgação do conhecimento de técnicas de Defesa Civil para proteção da comunidade escolar”.
Com a implementação do Sistema de Proteção Escolar surgiu a função do Professor Mediador Escolar e Comunitário (PMEC), também foram elaborados e disponibilizados manuais para auxiliar a implantação do projeto dentro das escolas – Normas Gerais de Conduta Escolar e Manual de Proteção Escolar e Promoção da Cidadania –, bem como um sistema on-line de Registro de Ocorrências Escolares (ROE) onde os gestores devem apontar as ocorrências mais significativas ocorridas no ambiente escolar.
A SEE/SP oferece aos PMECs iniciantes um curso on-line de Mediação Escolar e Comunitária com o objetivo de capacitar e preparar os docentes selecionados para o exercício das atribuições de PMEC com relação aos temas e às técnicas que compõem as práticas relacionadas ao Sistema de Proteção Escolar, cujos tutores são os próprios Gestores Regionais do SPEC e a carga horária total é de 78h.
O Professor Mediador Escolar e Comunitário – PMEC:
O PMEC deve exercer suas funções dentro de uma carga horária prevista em legislação. Todas as resoluções e instruções relativas ao projeto publicadas até o presente momento – Resolução SE 19/2010 (SÃO PAULO, 2010a), Instrução Conjunta CENP/DHRU de 09/04/2010 (SÃO PAULO, 2010b), Resolução SE 01/2011 (SÃO PAULO, 2011a), Resolução SE 18/2011 (SÃO PAULO, 2011b) e Resolução SE 07/2012 (SÃO PAULO, 2012a) – previram cargas horárias de trabalho possíveis de serem compatibilizadas com as aulas regulares, já que não foi aberta a possibilidade do professor se afastar das aulas para assumir a função de PMEC.
A Resolução em vigência atualmente – Resolução SE 07/2012 (SÃO PAULO, 2012a) – prevê as cargas de 19 horas/aulas, possibilitando ao PMEC ter mais 13 aulas atribuídas, e 32 horas/aulas, nas quais o PMEC trabalha por hora/aula correspondente a 50 minutos cada, e não mais hora relógio como previa as resoluções anteriores, perfazendo, respectivamente, um total de 15h50min e 26h40min distribuídos ao longo dos cinco dias úteis da semana.
A organização da carga horária de trabalho do PMEC impossibilita ao mesmo a dedicação exclusiva às suas funções, exceto no caso daqueles que conseguem se adequar à carga de 32 horas/aulas, já que necessita completar a jornada com aulas e assim, se dividir entre as duas funções. Além disso, o número de horas trabalhadas é extremamente reduzido, assim, como dar conta de tantas demandas sabidamente existentes, em se tratando de conflito e violência na escola, dentro de unidades escolares com três períodos de funcionamento, abertas todos os dias por um período de 16 horas consecutivas com uma carga horária, sem descontar aqui o período destinado às orientações técnicas, que varia de 3h10min a 5h30m de trabalho diário?
Para tentar contornar tal situação, a SEE/SP previu, na Instrução Conjunta CENP/DRHU de 09/04/2010 (SÃO PAULO, 2010b), a possibilidade de atribuição da função a um segundo PMEC na mesma escola, entretanto, somente naquelas que apresentarem no mínimo 10 turmas em funcionamento em cada um dos três turnos (manhã, tarde e noite), desconsiderando que poucas escolas atendem tal perfil e que muitas concentram quantidades maiores de turmas nos períodos manhã e tarde, ultrapassando inclusive as 30 turmas previstas, porém, com distribuição desigual nos três turnos. E por qual motivo a SEE/SP faria tal limitação? Não seria mais justo que a limitação se baseasse apenas no número total de turmas sem contar os turnos?
Com relação à seleção dos PMECs, de acordo com o parágrafo 1º do artigo 7º da Resolução SE 19/2010 (SÃO PAULO, 2010a), estes devem ser selecionados entre os professores da rede estadual de ensino por meio de análise do perfil mais adequado à função. Todavia, a mesma resolução impôs uma ordem que priorizava os titulares de cargo adidos[1] e os docentes readaptados[2], com isso, a SEE/SP demonstrou estar mais preocupada em promover uma ocupação para os professores que, por algum motivo estavam sem aulas, considerando que tais professores receberiam seus proventos normalmente, do que propriamente em selecionar candidatos com perfil adequado ao desempenho da função de PMEC, pois ainda que os professores passassem por todo processo de avaliação de perfil, ao serem classificados de acordo com a prioridade prevista na resolução não era garantia de que o professor adido ou readaptado teria perfil mais adequado que os demais.
Além disso, a citada resolução, limitando a escolha entre os professores da rede, sem possibilidade de participação de outros profissionais no projeto, acabou levando os Gestores Regionais e Diretores de Escola à escolha de professores que até pouco tempo estavam envolvidos nos conflitos da sala de aula, que relatavam não estar mais suportando ter que lidar com alunos, sem experiência ou conhecimento acerca dos processos de mediação de conflitos e sem perfil para desenvolver uma função tão complexa.
Percebendo talvez a necessidade de diminuir as limitações de escolha e melhorar o perfil dos PMECs, a SEE/SP apontou na Resolução SE 01/2011 (SÃO PAULO, 2011a), em seu artigo 3º, uma nova ordem de prioridade, acrescentando em primeiro lugar o titular de cargo docente da disciplina de Psicologia que se encontre na condição de adido. Contudo, tal medida continua caracterizada como uma forma de alocar aqueles professores que estão sem aulas, considerando não haver na grade curricular do Estado de São Paulo a disciplina de Psicologia e, por isso, a existência de alguns (poucos) professores desta disciplina adidos. Tal mudança não parece ter alcançado êxito em se tratando de escolha de melhor perfil para o desempenho das funções de PMEC.
A Resolução SE 01/2011 (SÃO PAULO, 2011a) comprova também o afirmado anteriormente, sobre a preocupação da SEE/SP em alocar os docentes sem aulas, ao destacar no parágrafo 1º do artigo 3º que os professores deveriam primeiro participar do processo de atribuição, sendo obrigados a pegar um número mínimo de aulas, e só depois, não estando com a carga completa, é que poderiam participar dos processos de seleção de PMEC, reduzindo ainda mais as chances de se conseguir selecionar PMECs com perfil adequado às funções. Já o artigo 4º da mesma resolução obriga o gestor escolar a atribuir as aulas que surgirem ao longo do ano ao PMEC, caso este tenha a necessária habilitação para lecionar a disciplina, e assim ele deixa de exercer suas funções, desconsiderando todo o trabalho de seleção e formação pelo qual este professor passou e a importância de tal profissional dentro da unidade escolar.
Por fim, na Resolução SE 07/2012 (SÃO PAULO, 2012a), a SEE/SP estendeu a possibilidade da participação no projeto de professores titulares de cargo efetivo que estivessem enquadrados na jornada reduzida (9 horas/aulas) há mais de um ano letivo, aumentando as chances de ter um número maior de candidatos e a possibilidade de escolher aqueles com melhor perfil, contudo, em 2013, com a publicação da Resolução SE 75 (SÃO PAULO, 2013a), mais uma vez a SEE/SP diminui tais chances, pois impõe a necessidade de atribuição aos docentes não efetivos de uma carga horária mínima de 20 horas/aulas. Ora, se para participar do processo de seleção de PMEC o professor só pode ter até 13 horas/aulas atribuídas e se todos os professores foram obrigados a ficar com o mínimo de 20 horas/aulas, quem sobraria então para participar do processo de seleção? Os últimos da lista de classificação para os quais não sobrariam aulas e para completar a jornada se inscreveriam nos projetos da pasta, dentre eles o PMEC. E assim, como garantir uma seleção baseada em perfil adequado em meio à uma quantidade mínima de candidatos, que em muitos casos era inferior ao número de vagas, candidatos estes oriundos de um processo de atribuição onde não lhes sobraram aulas obrigando-os à candidatura aos projetos da pasta?
Ainda na Resolução SE 19/2010 (SÃO PAULO, 2010a), em seu artigo 7º, foram elencadas as atribuições a serem desempenhadas pelo PMEC e, dentre elas, o que chama a atenção é a atribuição de “adotar práticas de mediação de conflitos no ambiente escolar e apoiar o desenvolvimento de ações e programas de Justiça Restaurativa”, pois como já citado, os professores selecionados, em sua grande maioria, não possuem formação específica, tampouco cursos afins na área de mediação de conflitos e/ou justiça restaurativa, o que causa inclusive certa preocupação, considerando que, de acordo com Vinyamata (2005, p. 24) “... a mediação faz parte dos recursos utilizados pela conflitologia, contudo, a prática da mediação sem conhecimento suficiente em conflitologia pode ser perigoso ou pelo menos inconveniente...”.
“Normalmente os conflitos representam situações delicadas que podem ter graves consequências, principalmente se o profissional conhece unicamente a mediação como sistema de intervenção e busca de solução para os conflitos” (VINYAMATA, 2005, p. 24).
Mais uma vez a SEE/SP, já sabendo disso, lança um paliativo para a situação, promovendo o curso on-line de Mediação Escolar para todos os PMECs iniciantes, contudo, ainda que válido, duas situações o tornam um tanto inadequado: a primeira é o fato de que os tutores do curso são os próprios gestores regionais, para o qual não recebem a devida formação; a segunda é o fato de que os conteúdos do curso estão voltados às questões que podem gerar conflitos na escola, promovendo a possibilidade do PMEC identificar as situações e desenvolver ações para preveni-las, entretanto, o curso não promove o desenvolvimento de conhecimentos acerca de técnicas de mediação de conflito ou justiça restaurativa. Além do curso inicial está prevista a formação em serviço que se dá por meio de orientações técnicas oferecidas pela própria Gestão Regional que, para tanto, deve procurar por conta se apropriar de conhecimentos afins para serem desenvolvidos durante tais orientações, uma vez que a SEE/SP também não tem um programa de formação para os gestores.
A capacitação dos PMECs foi prevista, de forma simplória, na Resolução SE 19/2010 (SÃO PAULO, 2010a). Já as Resoluções SE 01/2011 (SÃO PAULO, 2011a) e SE 07/2012 (SÃO PAULO, 2012a) apontam que, na distribuição da carga horária de trabalho do PMEC, deve haver a previsão de até quatro horas semanais ou oito horas quinzenais, a cada mês, para reuniões de planejamento e avaliação juntamente com a Gestão Regional, mas não utiliza aqui a palavra ‘formação’. Ambas as resoluções apontam que os PMECs serão capacitados e, como atividades de supervisão e formação em serviço, a necessidade de apresentação de relatórios sobre as atividades desenvolvidas e a participação em cursos e orientações técnicas centralizadas (desenvolvidas pela supervisão central) e descentralizadas (desenvolvidas pela gestão regional), denotando que a questão da formação continuada fica sob a responsabilidade da gestão regional, ainda que aponte também a supervisão central como corresponsável, mas na prática esta se coloca mais como um órgão regulador do que formador. Como formador, a supervisão central tem promovido anualmente, desde 2012, o Seminários de Proteção Escolar, onde são realizadas palestras e discussões diversas acerca de conflito e violência escolar e, em 2013, em parceria com a Secretaria de Segurança Pública, ofereceu o curso de Justiça Restaurativa aos PMECs, no entanto, apenas um número limitado pode participar, pois não havia vaga para todos, o que gerou certa indisposição entre os PMECs e Gestores Regionais, os responsáveis pela escolha dos participantes. Ora, se todos desempenham a mesma função e têm as mesmas necessidades de desenvolvimento de competências próprias ao bom desempenho das funções, porque a SEE/SP, em mais uma clara demonstração de total descaso para com o projeto, não estendeu o curso a todos os profissionais atuantes, inclusive aos gestores do programa? Vale salientar que os gestores foram impedidos de participar do curso, apesar de toda sua carga de responsabilidade em relação à formação dos PMECs.
A despeito de toda problemática envolvida na questão da seleção de PMECs com perfil adequado, a falta de conhecimentos específicos e necessários ao bom desempenho da função e a formação deficitária oferecida, a SEE/SP resolve, por meio da Resolução SEE 54/2013 (SÃO PAULO, 2013b), reduzir o número de encontros para orientações técnicas descentralizadas, que antes eram dois encontros quinzenais de quatro horas ou um encontro mensal de oito horas, para no máximo oito encontros anuais com carga horária de seis a oito horas, denotando mais uma vez descaso para com a questão da formação e para com o Sistema como um todo.
Registro de Ocorrências Escolares – ROE
O Registro de Ocorrências Escolares é uma ferramenta on-line, instituída dentro do Sistema de Proteção Escolar e disponibilizada pela SEE/SP para o registro de situações que afetem sobremaneira a organização e o andamento das atividades pedagógicas e administrativas dentro da unidade escolar, dano ao patrimônio público, situações de risco à segurança da comunidade escolar e ações que correspondam a crimes ou atos infracionais contemplados na legislação vigente.
De acordo com a Resolução que o institui – SE 19/2010 (SÃO PAULO, 2010a) – “... as informações registradas e armazenadas neste sistema serão utilizadas para fins exclusivos da administração pública, cabendo ao Diretor da unidade escolar a responsabilidade pela inserção e proteção dos dados registrados...”.
Apesar de ser uma ferramenta útil para o acompanhamento da situação da violência na escola, o ROE tem se mostrado obsoleto, pois não há um registro contínuo das ocorrências e isso se dá por vários motivos, dentre eles o fato de que os responsáveis não têm uma clareza do que devem registrar, o que provoca certa insegurança; falta de delegação de responsabilidades, levando o gestor a centralizar senha de acesso, somado à isto as excessivas demandas burocráticas e prioridades que o impedem de fazer os registros dentro do prazo estipulado – 30 dias a partir da data da ocorrência –; subutilização dos dados por parte da SEE/SP; falta de objetivos claros para o registro das ocorrências, uma vez que os registros de nada servem a não ser para alimentar um banco de dados sobre a violência na escola que, na prática, não auxilia o gestor escolar nas questões cotidianas.
Apenas para dar ideia da dimensão do sub-registro, no documento submetido pela gestão central do SPEC (GRAEFF E ANGELI, 2011, p. 5) ao Prêmio Mario Covas[3], consta que “... desde sua implantação, O ROE contabiliza uma média de 1400 registros mensais...”. Se em 2011, segundo este mesmo documento, havia 1607 escolas contempladas com o Sistema de Proteção Escolar, isso significa que na média não chegava a um registro por escola no ROE, contabilizando apenas as escolas participantes, mas há que se considerar que o ROE pode ser utilizado por todas as escolas.
Manuais de apoio:
As Normas Gerais de Conduta Escolar (SÃO PAULO, 2010c) estão contidas em uma cartilha impressa e foi distribuída às escolas da rede a partir de 2010. O documento apresenta os direitos, deveres e responsabilidades dos alunos, bem como a conduta em ambiente escolar.
Já na introdução do documento, à página 05, uma afirmação da SEE/SP chama atenção:
Esta busca do pleno desenvolvimento é um processo dinâmico, ao longo do qual, com frequência, eclodem conflitos complexos que podem causar perplexidade e insegurança aos jovens, uma vez que ainda não desenvolveram plenamente as habilidades sociais indispensáveis para enfrentar tais situações. Não raro, surgem insatisfações e frustrações decorrentes dessas experiências negativas, o que pode deflagrar comportamentos indesejáveis – ou até mesmo inadmissíveis – em um ambiente escolar apropriado para a construção de suas personalidades.
Tal afirmação leva a crer que os jovens recebem uma formação para o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias ao enfrentamento dos conflitos, contudo, essa não é a realidade das escolas públicas da rede estadual de ensino, não havendo no currículo oficial do estado de São Paulo a previsão do estudo de tal assunto, “... a violência e o conflito são temas banidos do universo escolar ou mesmo do universo social...” (CRHISPINO E CHRISPINO, 2011, p. 32). “... Parece-nos importante que as escolas incorporem progressivamente os conceitos e as habilidades de resolução de conflitos no currículo...” (VINYAMATA, 2005, p. 52).
Além disso, a própria formação dos professores é deficitária tanto com relação ao desenvolvimento das competências e habilidades em seus alunos quanto ao próprio enfrentamento das questões de conflito e violência aos quais estão diariamente expostos, de forma que Jarez (2001, p. 59) questionou “como é possível que, na formação inicial e continua dos professores, esta situação (a natureza conflituosa da escola) não seja objeto de análise nem eles sejam formados na perspectiva de um contexto de conflito...?”.
O que causou mais polêmica à época do lançamento do documento foi o apontamento das medidas disciplinares de suspensão por cinco dias letivos e suspensão por seis a dez dias letivos, à página 13 do referido documento. Ora, se o aluno tem pleno direito à educação, conforme previsto no artigo 205 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), e artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90 (BRASIL, 1990), ao aplicar tais penalidades não estariam os gestores incorrendo no direito do aluno? Além disso, o Parecer CEE 67/98 (SÃO PAULO, 1998) foi bastante claro com relação a essa questão, ao apontar, no parágrafo único do artigo 25, que “A escola não poderá fazer solicitações que impeçam a frequência de alunos às atividades escolares...”.
Assim é que o documento lançado pela SEE/SP, contrariando suas orientações e a própria legislação, causou grande impacto entre os gestores, sendo que para uns trouxe alívio, pois encontraram respaldo em um documento oficial para uma ação costumeira, para outros trouxe problemas, pois sendo contra a aplicação de tal medida disciplinar, se viram coagidos pelo grupo docente que exigiam a aplicação da medida a qualquer tempo e por qualquer motivo. Diante da polêmica gerada a Gestão Central do SPEC informou que o documento seria revisado e uma nova edição lançada, no entanto, tal documento continua circulando e sendo utilizado livremente nas escolas como parâmetro legal para aplicação de medidas disciplinares, ainda que tal documento não possa sobrepujar a lei.
O Manual de Proteção Escolar e Promoção da Cidadania (SÃO PAULO, 2010d) foi outro documento lançado juntamente com as Normas Gerais de Conduta Escolar. Trata-se de um documento norteador para resolução dos vários problemas que se apresentam no cotidiano escolar. Nesse documento também está apontado, à página 27, que “... as medidas disciplinares variam desde a advertência verbal ao aluno até a suspensão da participação nas aulas ou atividades extraordinárias...”. Ou seja, corroborando a informação apontada no primeiro documento citado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Sistema de Proteção Escolar se mostra como mais um programa paliativo da SEE/SP que parece ter sido criado para dois propósitos: dar uma resposta aos anseios da sociedade sobre a questão da violência escolar que só vem avançando e alocar os professores adidos. Contudo, parece estar tendo mais êxitos com relação a este do que àquele.
Para que a resposta à sociedade não seja apenas floreada, como parece estar acontecendo, há que se considerar as reais necessidades da escola e prover um programa expressivo de resolução pacífica dos conflitos e combate à violência, com uma seleção que verdadeiramente contemple os perfis adequados dos candidatos, com abertura à participação de outros profissionais, com quantidade de profissionais e carga horária de trabalho mais condizente às necessidades da escola, com possibilidade de afastamento do professor das aulas regulares para se dedicar exclusivamente ao projeto, considerando sua complexidade e peculiaridades, com oferecimento de treinamento e formação adequadas à função e estendida a todos os envolvidos com o projeto.
Já está se completando o quinto ano da implantação do projeto na rede estadual de ensino. Como os PMECs estão garantindo a solução pacífica dos conflitos e a diminuição dos índices de violência na escola? Aliás, isso está de fato ocorrendo? A SEE/SP tem feito a avaliação dos resultados do projeto? Com base em que? Estaria a SEE/SP acreditando ingenuamente nos dados do ROE ou os sub-registros lhe são convenientes? Tais inquietações motivam esta pesquisadora a continuar com a pesquisa da qual faz parte este artigo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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______. Secretaria de Estado da Educação. Resolução SE nº 01, de 20/1/2011a. Dispõe sobre o exercício das atribuições de Professor Mediador Escolar e Comunitário do Sistema de Proteção Escolar. Disponível em: <http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/01_ 11.HTM?Time=15/06/2014%2005:01:31>. Acesso em 20/06/2014.
______. Secretaria de Estado da Educação. Resolução SE 18 de 28/03/2011b. Altera a Resolução SE nº 1, de 20/01/2011, que dispõe sobre o exercício das atribuições de Professor Mediador Escolar e Comunitário do Sistema de Proteção Escolar. Disponível em <http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/18_11.htm>. Acesso em 22/06/2014.
______. Secretaria de Estado da Educação. Resolução SE 07 de 19/01/2012a. Dispõe sobre o exercício das atribuições de Professor Mediador Escolar e Comunitário do Sistema de Proteção Escolar. Disponível em <http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/07_ 12.HTM?Time=1/24/2012>. Acesso em 22/06/2014.
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______. Secretaria de Estado da Educação. Resolução SE 54/2013 de 23/08/2013b. Altera dispositivo da Resolução SE Nº 07/2012, que dispõe sobre o exercício das atribuições de Professor Mediador Escolar e Comunitário do Sistema de Proteção Escolar. Disponível em: <http://www.profdomingos.com.br/estadual_resolucao_ se_54_2013.html>. Acesso em 24/06/2014.
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TAVARES DOS SANTOS, J. V. Violência e conflitualidade. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2009.
VINYAMATA, E. Aprender a partir do conflito: conflitologia e educação. Porto Alegre: Artmed, 2005.
[1] De acordo com Decreto Estadual nº 42.966/98 (SÃO PAULO, 1998).
[2] De acordo com Lei 10.261/68 (SÃO PAULO, 1968).
[3] Tem por objetivo promover práticas inovadoras que aprimorem a qualidade dos serviços públicos.
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