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De diretor a gestor: a construção de uma nova subjetividade na função de diretor de escola no estado

  • Supervisora Alessandra Simão e Supervisor
  • 18 de abr. de 2016
  • 5 min de leitura

Resumo apresentado no XXX Encontro do Sindicato dos Supervisores de Ensino do Magistério Oficial no Estado de São Paulo, realizado em Poços de Caldas, de 12 a 15 de abril de 2016.

De diretor a gestor:

a construção de uma nova subjetividade na função de diretor de escola no estado de São Paulo


Alessandra Simão da Costa

Mestre em Educação/UNINOVE

Supervisor de Ensino, Diretoria Regional de Ensino de Mogi das Cruzes

2015.alecosta@gmail.com


Francisco Lindoval de Sousa

Mestre em Educação/UNIFESP; Mestre em Biotecnologia/UMC

Supervisor de Ensino, Diretoria Regional de Ensino de Mogi das Cruzes

eduki.francisco@gmail.com


O cargo de diretorsurgiu com o novo modelo de escola, que reunia alunos e professores num mesmo local, criando uma nova divisão do trabalho e especializações “[...] exigindo um diretor responsável pela fiscalização das atividades escolares, pelo controle dos professores e pela manutenção da ordem e da disciplina dos alunos[...]” (SOUZA, 2008, apud HOJAS, 2011, p.11). No Estado de São Paulo foi a partir de 1946 que o cargo de diretor passou a ser de provimento efetivo com acesso por concurso público (HOJAS, 2011, p. 12).

No Brasil, ao longo do século XX, assim como em outros países ocidentais, a educação escolar consolida-se como parte do processo de urbanização e industrialização, no modo de produção capitalista. Os diversos desdobramentos do sistema capitalista fizeram-se refletir em todos os setores sociais, inclusive na educação escolar responsável por participação ativa, da produção do tecido social exigido pelas transformações no âmbito da economia e da política. São exemplos desse reflexo as reformas administrativas que o sistema de educação escolar brasileiro sofreu ao longo do século XX. Nos anos 90, no contexto da globalização da economia e da comunicação, o capitalismo monopolista e transnacional difunde a ideologia neoliberal que tende a mercantilizar todas as coisas.

O Comunicado da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo de 22/03/95 estabelece as principais diretrizes do governo para a educação e inaugura o discurso oficial do alinhamento a uma gestão mais moderna (atualizada). Tem início uma nova política educacional, ajustada a um projeto político de reforma do Estado, delineado no ideário neoliberal. Nossa análise aqui se restringe a figura do diretor de escola, mas a reforma educacional paulista estende seus tentáculos a todos os envolvidos, produzindouma “sujeição subjetiva”, através de novos paradigmas, uma nova cultura que produz “indivíduos normalizados”, sistemas de valores, sistemas de submissão, – não visíveis e explícitos, “[...] mas sistemas de submissão muito mais dissimulados” (GUATTARI e ROLNIK, 1996, p.16).

Os primeiros passos dessa produção de subjetividade deram-se, focando os diretores de escola, com os cursos de formação continuada, dos quais se pode destacar como exemplo o programa Circuito Gestão, cujo material traz alguns pontos do novo discurso sobre o papel do “gestor”. Entre os temas trabalhados destacamos o “Desenvolvimento de Lideranças” e “Trabalho em equipes”. No discurso, os diretores são alçados a condição de líderes, sua função se expande do simples controle burocrático para um articulador e motivador das equipes.

Paralelamente a essa pretensa “ressignificação da prática” ocorrem mudanças estruturais importantes como a implementaçãodas avaliações externas e a bonificação por resultados, formando a teia de submissão e controle, na qual os indivíduos são imersos e transformados. Os profissionais não são mais vistos pela contribuição à educação, mas pelo quanto seus atos e falhas prejudicam o grupo, pois podem influenciar os resultados dos alunos nas provas e prejudicar a bonificação de todos.

Instalados os discursos de eficácia, eficiência, qualidade, meritocracia, metas, liderança e os mecanismos de controle pelo SARESP, metas e bonificações por resultados, o governo de São Paulo avançou na naturalização desses novos elementos através da legislação de reestruturação da SEE/SP.

Na Resolução SE 52/2013, o diretor de escola é definido como “[...] dirigente e coordenador do processo educativo no âmbito da escola [...]” (op. cit.), no entanto, “o pragmatismo e o autointeresse, mais do que julgamento/avaliação profissional e a ética são a base para os novos jogos de linguagem organizacional” (BALL, 2002, p.7), as relações interpessoais na escola transformam-se em transações comerciais, sistemas de trocas. Dessa forma

[...] o papel do diretor da escola é radicalmente transformado. Mais poder é realmente concentrado no seio da estrutura administrativa. Mais tempo e energia são despendidos na manutenção ou aprimoramento da imagem pública de uma "boa escola" e menos tempo e energia são despendidos na essência pedagógica e curricular [...]. (APPLE, 2002, p.119)


Nessa nova era de mercantilização da educação, o diretor passou a ser a figura sobre a qual pesa a responsabilidade pela “qualidade” dos serviços educacionais, o gestor do pessoal, do pedagógico, do administrativo, dos resultados. Isolado e culpabilizado pelas mazelas da educação paulista, o diretor tem de prestar contas, justificar-se dos resultados do IDESP e mediar os conflitos dentro da escola quando os professores e funcionários não recebem bonificação.

A reforma vai se expandindo e reconfigurando a vida dos profissionais que atuam na rede. A Lei Complementar 1256/15 (SÃO PAULO, 2015) prevê que os novos ingressantes no cargo estarão sujeitos a Avaliação Especial de Desempenho, baseada em critérios como produtividade, eficiência e disciplina, expondo a visão mercantilista que se estabeleceu na SEE/SP em relação à educação. As palavras produtividade, eficiência e disciplina parecem muito adequadas às fábricas que produzem produtos em série. Em se tratando da formação humana, elas despertam estranheza e muita desconfiança.

A configuração de uma nova subjetividade para o diretor de escola, a nosso ver, constitui “a base para o princípio da incerteza e inevitabilidade, para a insegurança ontológica: Estamos a fazer o suficiente? Estamos a fazer o que é certo? Como conseguiremos estar à altura?” (BALL, 2002, p.10). É dessa incerteza constante no seu trabalho, no seu potencial individual que o diretor naturaliza o discurso construído sobre si mesmo pelas forças no poder, assumindo estas angústias e aceitando a responsabilização que a SEE/SP lhe coloca nos ombros. Na nossa ótica, reforçado pelos resultados do IDESP nos últimos cinco anos, a estratégia de culpabilização dos diretores deverá se estender e intensificar, abrangendo cada vez mais os outros profissionais da educação e os próprios alunos e suas famílias e isentando de responsabilidade o Estado e seus agentes no poder.

Diante deste mecanismo de subjetivação urge uma necessidade de resistência a partir da reflexão profunda sobre a praxi – processo com o qual não só os diretores, mas também os supervisores de ensino, devem se comprometer.


Referências

APPLE, M. W. Podem as pedagogias críticas sustar as políticas de direita? Cadernos de Pesquisa. n.116. São Paulo. jul. 2002.

BALL, S.J. Reformar escolas, reformar professores e os terrores da performatividade. Revista Portuguesa de Educação, ano 15, número 02, Universidade do Minho, Portugal. 2002.

GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica - Cartografias do Desejo. 4 ed. Editora Vozes. Petrópolis. 1996.

HOJAS, V. F. Formação e função do diretor de escola: análise a partir dos concursos públicos realizados na rede estadual de ensino de São Paulo (1979-2007). Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2011.

SÃO PAULO. Lei complementar 1256 de 06 de janeiro de 2015. Dispõe sobre Estágio Probatório e institui Avaliação Periódica de Desempenho Individual para os ocupantes do cargo de Diretor de Escola.

______. Governo do Estado. Decreto nº 57.141, de 18 de julho de 2011. Reorganiza a Secretaria da Educação.

______. Secretaria da Educação. Comunicado SE de 22 de março de 1995. Diário Oficial do Estado, p.8, 23 de mar. 1995.

SENNETT, R.A cultura do novo capitalismo. Ed. Record, Rio de Janeiro, 2006.

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